terça-feira, 14 de junho de 2011

HOMILIA da Celebração 10 anos Sacerdócio - Pe. Silmar

10°. Aniversário de Ordenação Sacerdotal

Caros amigos, hoje me concedam o direito de fazer esta homilia não de maneira habitual, sempre, na maioria das vezes, falada e espontânea, mas sim lida, no entanto, sem menos paixão em comunicar aquilo que o Senhor me inspirou e colocou em meus lábios, como fez com o nosso jovem profeta Jeremias.

O Senhor me chamou ainda jovem, aos quinze anos. Mas eu lhe disse como o profeta Jeremias: “Ah! Senhor Deus, eu não sei falar, porque sou ainda uma criança!” Jr 1, 6. E neste chamado misterioso que o Senhor me fez, busquei com ânsia, temor e tremor, o que de mim ele desejava, como corresponder a este chamado interior que Ele me fazia continuamente. Então, entre o tempo de minha juventude, estudos e trabalho, fui pouco a pouco buscando acolher esta voz, compreender seu significado, o lugar na sua Igreja onde Ele me desejava. Nesta procura fiz uma experiência de vida monástica entre monges cartuxos e beneditinos, o que somente consolidou a certeza que já não me pertencia e que não poderia fugir deste convite terrível e sedutor. Terrível por não me achar digno de tamanha honraria diante de minha própria pobreza e sedutor pela grandeza da voz intermitente que não se aplacava enquanto minha liberdade ensaiava um gesto de fuga do seu olhar. E confessei como Jeremias: “Seduziste-me, Senhor, e eu me deixei seduzir; tu te tornaste forte demais para mim, tu me dominaste” Jr 20, 7

Ora, esta sedução marca a vida de todo aquele que se sente atraído pelas coisas santas de Deus, tanto mais do sacerdote ao servi-lo em seu altar, oferecendo seu corpo e sangue santos, administrando seus mistérios, a vida dos sacramentos que jorram do coração aberto de Cristo como rio caudaloso de sua graça e misericórdia para a redenção do mundo, através deste homem que carrega um tesouro em vasos de argila, tal como exprimia acertadamente Jean Guitton em seus Diálogos com o Papa Paulo VI: os sacerdotes são Representantes do Eterno e Embaixadores do Absoluto.

Contudo, o que sempre me atraiu em Jesus foi esta manifestação de sua compaixão que o autor da carta aos hebreus hoje também nos revela: ”É capaz de ter compreensão por aqueles que ignoram e erram, porque ele mesmo está cercado de fraqueza” Hb 5, 2 Esta face do Cristo Sacerdote traçada pelo autor desta riquíssima carta nos ajuda a perceber que aqui está a grande força de todo sacerdote, tendo sido abraçado um dia por esta eleição misericordiosa, deverá manifestar sempre este vivo sinal de quem o escolheu em toda parte. Santa Teresa também nos ajuda neste sentido, quando assim se exprime de modo orante: “Deus não tem corpo na terra, senão o teu. Não tem mãos, senão as tuas. Não tem pés, senão os teus. Teus são os olhos com os quais a compaixão de Deus olha o mundo. Teus são os pés com os quais Ele caminha para ir fazendo o bem. Tuas são as mãos com as quais Ele agora tem que nos abençoar”.

A minha vida sacerdotal durante estes dez anos está impregnada da insondável misericórdia de Cristo. Na verdade, como Jesus pediu a Santa Faustina que escrevesse em sua Novena à Misericórdia Divina, sinto mesmo que a alma de todo sacerdote tem de estar mergulhada nela, doutro modo nosso agir sacerdotal para com todos que nos procuram e que gostaríamos de servir, mesmo os mais distantes e desconhecidos, não seria um testemunho eloqüente deste canal de sua misericórdia sobre a Humanidade.

Como é belo e grande ser sacerdote de Cristo! Mesmo que o mundo de hoje muitas vezes não compreenda a altura e profundidade desta vocação voltada para o transcendente, para o que é perene e eterno. O sacerdote é separado do meio dos homens para favorecê-los através da absolvição dos pecados e consagração do pão e do vinho, para dar Deus aos homens. E esta é definitivamente sua alegria mais intensa e única. Haveria outro modo melhor senão este para permanecer no amor do Pai e do Filho, neste amor imperativo de Jesus, aludido no trecho do evangelho de São João que hoje nós ouvimos? Para o sacerdote este é o melhor modo por excelência para guardar os mandamentos de Jesus, absolvendo com a misericórdia de Cristo o pecador que quer permanecer em seu amor e quer guardar suas palavras, servindo-lhe nesta comunhão tão estreita de amizade que se derrama na hora da santa missa, quando o sacerdote prega a palavra que não é sua, mas do Cristo que lhe chamou como Senhor e Amigo, num amor incomparável e inaudito, que se dá através do momento mais excelso do santo sacrifício, é Cristo mesmo presente no altar após as palavras consecratórias proferidas pelo sacerdote. Eis o grande milagre da fé, a Presença Real de Cristo nas mãos do sacerdote e que será distribuído como Pão da Vida e Pão dos Anjos para todos.

Creio que a vocação de um sacerdote também é engendrada pelos que o rodeiam antes e depois deste chamado divino e de sua ordenação. Ouso pedir ainda a permissão de vocês nesta homilia para falar em tom mais pessoal. Desde pequeno sempre via como minha vó Nadir rezava todos os dias o seu terço, suas idas freqüentes à Igreja, o modo piedoso e natural como levava sua vida cristã. Devo, com toda certeza, parte da consistência de minha vocação ao testemunho de minha vó como pessoa humana e cristã: a prática de sua fé era depois a vivência de sua vida. Por outro lado, de minha mãe Glória herdei a razão iluminada pela fé, o gosto pelas coisas da religião e esta abertura para sentir com o outro, um certo grau de compaixão e empatia. Sem minha mãe eu não seria hoje o que sou. E também não poderia esquecer minha madrinha de crisma e ordenação, Cecília, que com seu carinho e a nobreza de seus gestos mais simples sempre foi um escudo e estímulo. E tantos bons e santos sacerdotes e religiosos conheci durante o tempo de maturação para o sacerdócio, que não poderia desejar outro caminho.

Igualmente penso que a vocação de um sacerdote se sustenta pelos amigos que lhe fazem justiça. Mas que tipo de justiça seria esta? Um sociólogo italiano chamado Francesco Alberoni disse que somente os amigos verdadeiros nos fazem justiça. Como Jesus aborda o tema da amizade neste evangelho joanino que escutamos, acredito que sua amizade por nós se une a justiça que ele nos fez e faz continuamente. Explico: se Jesus nos chama de amigos e porque Ele nos fez justiça, pois nos deu a conhecer tudo o que ouviu de seu Pai. Assim, a justiça que podemos fazer ao sacerdote passa por uma maneira justa e adequada em guardar os ensinamentos de Jesus. Esta seria a justiça que o sacerdote também espera e necessita ver: a amizade dos fiéis com Jesus e os valores de Seu Reino. Não é uma amizade apenas para ele, mas, sobretudo, que passa certamente por ele e o santifica pelos bons testemunhos que ele vê. Isto somente é possível quando os fiéis aprendem a caminhar nesta comunhão que o sacerdote de algum modo já experimenta no amor do Pai e do Filho, fazendo com que o fruto do Espírito permaneça. É um alto ideal, mas não foi diferente para todos os que quiseram seguir a Cristo. Se reconhecemos que somos amigos de Cristo, tal como ele assim nos chama, precisamos a cada dia lhe fazer justiça amando com a sua têmpera, isto significa do jeito preciso como ele nos amou. Agradeço, portanto, a todos que me sustentam porque tem o desejo de sempre recomeçar a viver nesta medida de Cristo, com as fibras palpitantes de seu coração.

Termino ressaltando que em minha vocação de padre tudo foi acontecendo de modo muito natural. Entre sombras e luzes, entre brisas suaves e ventos intrépidos, Ele me trouxe para o seu doce convívio. Sim, não fui eu que escolhi ou tracei o mapa desta viagem. Ele me trouxe até aqui e tem sido a minha melhor companhia, o meu melhor tesouro, a minha pérola mais valiosa e com brilho sem igual, que não ouso trocar por nenhuma outra. Obrigado a todos que vieram e que comigo agradecem a Nossa Senhora pela predileção de Seu Filho por mim. Que o Beato José de Anchieta nos de o vigor apostólico que necessitamos para evangelizar para a honra e glória de Deus, a salvação do mundo e das almas. Amém.

Santa Teresa, 9 de Junho de 2011

Pe. Silmar Alves Fernandes



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